Por: João Saravia
Se você fosse negociar qualquer coisa com o Spock eu lhe recomendaria não começar por um aperto de mão, nem usar argumentos super emocionais, como uma história triste, e tampouco acharia conveniente fazer uma longa conversa de ativação, perguntando sobre como vai a sua família ou o time de coração.
Essas coisas parecem óbvias para aqueles que conhecem o personagem, mas é curioso como se comete muitas gafes, e se fecha muitas portas, porque não nos atentamos a aspectos culturais de nossas interfaces em uma negociação, ainda que não estejamos falando com pessoas de outro planeta, e que essas caraterísticas sejam razoavelmente fáceis de se investigar.
Os aspectos legais, políticos ou econômicos são mais observáveis no ambiente de negócios, porém a cultura, ao contrário, é em boa parte invisível. Por este motivo é o aspecto mais comumente ignorado nas questões gerenciais e, consequentemente, são diversos os problemas ou desafios que este fator pode trazer.
Atualmente, a globalização econômica, facilitada pela gradual remoção das barreiras ao livre comércio, aliada aos avanços nas comunicações, nos transportes e em outras tecnologias, têm permitido que as empresas tenham um acesso mais fácil ao mercado internacional.
E no momento que fatores políticos e econômicos têm dado maior abertura à integração das economias e às barreiras sociais e culturais, a internacionalização das organizações passa a ficar mais evidente.
Isso faz com que surjam novos desafios na área da gestão empresarial. Um dos principais desafios é o gerenciamento das diferenças culturais, as quais são expostas as organizações que operam internacionalmente. Os gerentes precisam se tornar mais cosmopolitas, isto é, precisam conhecer e incorporar um componente transcultural na sua atuação gerencial. Especialmente em relação à gestão de recursos humanos, os meios tradicionais de atuação com pouca diversidade cultural e destituídos de fonte global já não se mostram mais eficazes.
Para ilustrar essa questão, vou apresentar abaixo um caso retirado do livro “Inteligência cultural: instrumentos para negócios globais”, de THOMAS e INKSON:
Bill Miller é um vendedor americano que está na Cidade do México, sentado em seu quarto de hotel, de cabeça baixa, frustrado. Será que seus anfitriões ainda pretendem falar de negócios algum dia? Será que não sabem que lhe resta pouco tempo na cidade? Há um acordo a ser fechado. As negociações preliminares, conduzidas à distância, correram bem.
Mas agora, passados dois dias de sua chegada e com apenas vinte e quatro horas restantes, ele sente que não avançou nem um passo desde que chegou.
Não é que seus anfitriões mexicanos sejam hostis. Ao contrário, eles são extraordinariamente simpáticos. O fato é que eles simplesmente demonstram pouco interesse em falar de negócios. No caminho do aeroporto, quando Bill tocou no assunto o seu anfitrião pareceu surpreso que ele quisesse falar a respeito.
Haverá tempo de sobra para isso — advertiu ele –, agora você deve estar cansado do voo. Que tal relaxar um ou dois dias, e fazer um passeio primeiro? E então, Bill passou o primeiro dia conhecendo a Cidade do México, esforçando-se para disfarçar sua impaciência. Mas, no segundo dia, seu anfitrião o apresentou aos gerentes seniores, interessados na compra, e sugeriu que ele fizesse sua apresentação na terceira manhã. Mais uma vez todos foram muito sociáveis, mas pareceram surpresos com sua impaciência. Relutantes, eles acabaram concordando com uma conversa após o expediente.
Bill se preparou cuidadosamente e chegou no horário marcado à sala de reunião, munido de sua apresentação em PowerPoint. Não havia ninguém, apenas um móvel preparado com bebidas e salgadinhos. Aos poucos, os executivos foram chegando. Começaram a conversar em inglês com Bill, fazendo perguntas. Só que as perguntas não eram sobre o equipamento que Bill viera vender, e sim sobre a empresa – sua história, seu planejamento, e sua futura expansão na América Latina.
Depois quiseram saber sobre o próprio Bill, sua história na companhia, seus pontos de vista sobre a indústria de T.I., sobre a indústria deles, seu acesso a políticas econômicas futuras, até sua esposa e seu hobby predileto. Bill continuava impaciente. Ele queria adiantar sua apresentação, mas sem ofender seus anfitriões. Então, respondeu às perguntas e esperou por um momento de pausa na conversa.
Finalmente, ele disse:
— Obrigado. Fico muito grato por sua hospitalidade. Agora podemos sentar e eu vou fazer minha apresentação. Acho que há um ótimo negócio aqui para a sua empresa.
Houve um silêncio constrangedor. Em seguida o diretor executivo disse calmamente:
— Infelizmente, creio que o Sr. Alvarez já foi para casa.
E claro, ele havia desaparecido. Alvarez era o diretor-presidente e sem o seu aval não havia negócio.
— Talvez... - disse o outro diretor - talvez amanhã? Enquanto isso, por que não saímos para jantar, para que possamos nos conhecer melhor?
Desta vez Bill alegou cansaço. “Como, nesse mundo, pensou, essa gente já conseguiu vender alguma coisa entre si, ou mesmo comprar algo uns dos outros?”
***
Em sua casa, Juan Alvarez acendeu um cigarro, pensativo. O americano parecia tão contrariado, tão apressado, que Juan simplesmente não teve vontade de ficar por perto, ele havia tentado construir um relacionamento profissional, estabelecendo a base que valeria por muitos anos de negócio, não apenas um. Miller havia jogado sua tentativa para o alto. Avarez já havia visto isso antes com americanos.
“Como nesse mundo, pensou, teriam eles aprendido a confiar uns nos outros, nos negócios?”
O caso acima é ficção, é apenas um exemplo, mas coisas desse tipo acontecem a todo o momento.
Aquilo que aprendemos como uma boa etiqueta de conduta nem sempre irá funcionar, dependendo de quem estejamos falando. Ser pontual pode não fazer muita diferença, conversar sobre questões pessoais pode pegar mal, e às vezes beber um pouco além da conta pode ser visto como um sinal de que você é uma pessoa transparente e inspira confiança. Portanto, é importante ficarmos atentos e nos prepararmos para estas questões, de forma a evitar que aspectos culturais arruínem um bom negócio.
Podemos considerar os seguintes aspectos como importantes de se levar em conta:
- Tempo: a importância de ser preciso nos horários, duração de reuniões, e prazos combinados;
- Relacionamentos Interpessoais: a importância de se criar laços e manter os relacionamentos por longo prazo;
- Uso do nome e pronomes de tratamento: é comum e em que contexto se chama a pessoa pelo primeiro nome ou pelo sobrenome? É importante o uso do pronome ou mencionar o cargo antes do nome?
- Vestimenta: que tipo de roupa é a mais adequada? Há regras ou costumes específicos para mulheres e homens?
- Exprimir emoções: é visto como normal alterar a voz? O silêncio pode ser constrangedor? - Comunicação não verbal: gesticulação exagerada, expressões faciais, tocar, invadir o espaço do outro, sons.
Além dos pontos acima, o modelo de Hofstede é outra ferramenta que nos ajuda a entender quais são as diferenças que vamos encontrar nas negociações interculturais. Ainda que tenha suas limitações e críticas, ele nos dá um bom entendimento e comparação das diferentes culturas gerenciais, e foi o primeiro modelo a conseguir atribuir uma escala numérica às diferentes culturas de negócio. Sempre ajuda a entender o que vamos encontrar e nos permite manter a porta aberta, seja com o Spock, ou com nossos colegas terráqueos.
E você, já passou por alguma situação curiosa causada pela interação de diferentes culturas no ambiente de negócios?
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